15 de jul. de 2013

Tome Juízo!

Finalmente será possível tomar Juízo.
Aliais, desse jeito deixarei sempre o copo cheio de juízo.

Tome juízo você também!


12 de jul. de 2013

Lições de “Office Space” (Como enlouquecer seu chefe)

Introdução ao tema:

O trabalho capitalista da indústria ou dos serviços é, em si, desprovido de sentido. O que significa que trabalho dilacera a subjetividade da vida - mente e corpo. Todo trabalhador assalariado pressupõe uma precariedade que decorre desta alienação estrutural que funda a condição de proletariedade. A sociedade de serviços capitalistas é a sociedade do trabalho forçado em sua dimensão universal, forçado não por ser escravo, mas sim por ser necessário, é preciso trabalhar e pode ser divertido trabalhar, mas o descontentamento que penetra o chão de fábrica e o espaço do escritório está na relação tempo de trabalho e tempo de vida. Na medida em que a forma-mercadoria determina o produto da atividade social, seja ele tangível ou não, o processo de trabalho da indústria ou dos serviços, aparece como processo de valorização individual. Esta é a base material do fenômeno do estranhamento que se imiscui na atividade de trabalho do operário ou do empregado. Não apenas o trabalho é trabalho estranhado, mas a vida cotidiana é demarcada pelo estranhemnto, ou seja, obstáculos que impedem o pleno desenvolvimento do ser genérico do homem, como tempo (transito, jornada, férias acumuladas), fixação de horário, falta de valorização moral e financeira.
   

O Filme:

Lançado no auge da New Economy e do boom das empresas de Internet nos EUA em 1999, “Office Space”, título original de “Como enlouquecer seu chefe”, de Mike Judge, é uma deliciosa comédia sobre o mundo dos proletários de “colarinho-branco” no Vale do Silício na Califórnia. No filme, todos homens e mulheres aparecem como proletários: Peter Gibbons, o programador; Joanna, a garçonete; Alexander, o operário, vizinho de Peter., etc. Enfim, todos estão imersos na condição de proletariedade, sendo obrigados a vender sua força de trabalho para “pagar as contas” e imiscuir-se na relação de trabalho e vida.


Karl Marx, no Terceiro Manuscrito dos "Manuscritos Econômico-filosóficos" (1844), tratou do "trabalho estranhado" como sendo a característica essencial da atividade do trabalho na sociedade capitalista. Na medida em que o processo de trabalho é processo de valorização, seja no espaço da fábrica ou no espaço do escritório, o trabalho aparece como trabalho estranhado (o homem que trabalha está alienado do produto e do processo da sua atividade de trabalho, além de estar alienado de si e dos outros). Esta é a condição do trabalho nas sociedades burguesas.

Além disso, Georg Lukács, no último capítulo de sua inacabada "Ontologia do Ser Social" (1971), tratou do fenômeno do estranhamento, que diz respeito aos obstáculos sociais historicamente determinados que impeçam o livre desenvolvimento do ser genérico do homem. A sociedade do trabalho estranhado é a sociedade da vida cotidiana estranhada. No sistema do capital é impossível ter uma vida plena de sentido. Por isso, em "Office Space", a alienação não está apenas no escritório da empresa capitalista, mas está na vida cotidiana e nas relações sociais, pessoais ou afetivas. Mike Judge traduz as dimensões amplas do trabalho estranhado e da vida social estranhada com fina ironia e um senso de humor mordaz.


No filme, Peter Gibbons (Ron Livingston) é um programador que trabalha na Initech, empresa capitalista que faz upgrade de softwares e sente-se muito infeliz no emprego. Mas após uma sessão de hipnoterapia, seu comportamento muda e ele passa a não cumprir horários, nem fazer nada daquilo que lhe foi determinado. Porém, quanto mais se rebela mais é elogiado por especialistas em produtividade, que lhe dão uma promoção e fazem isto no mesmo período em que várias pessoas são demitidas.

O jovem Peter Gibbons é um homem insatisfeito com o trabalho, estressado pela rotina e oprimido pelo chefe no escritório. O chefe Bill Lumbergh é o “espectro” que persegue Peter, inclusive em seus pesadelos. O que demonstra que o controle capitalista do trabalho é também controle capitalista da reprodução social: a vida social torna-se com a grande indústria, uma "imensa fábrica" e a presença do capital como sistema de controle social (e pessoal) se dissemina pela produção e pela vida cotidiana, implicando as dimensões mais íntimas da viva. Lumbergh é a "persona" do Mal que sintetiza em si, o controle autocrático do capital no local de trabalho. Mas Lumbergh é menos um vilão ardiloso que um filisteu medíocre. Na verdade, ele possui estilo de chefe da velha empresa taylorista-fordista.


Ao mesmo tempo, Peter está insatisfeito com sua vida amorosa. É um detalhe importante do filme pois expõe o estreito laço entre trabalho e vida afetiva. Como Lester Burham, do filme “Beleza Americana” (1999), o que move Peter Gibbons em sua atitude pessoal contra o trabalho estranhado, são disposições íntimas que o sufocam. Por isso, de repente, ele “chuta o balde”: abandona a namorada e, ao mesmo tempo, rompe com o estilo de vida do empregado enquadrado na rotina de trabalho monótona e repetitiva.

O eixo temático principal do filme é a crítica visceral do trabalho capitalista, trabalho estranhado ou trabalho abstrato que consome tempo de vida e que submete homens e mulheres à rotina monótona e repetitiva. É o mote das músicas que tocam no filme. Trabalho estranhado é trabalho abstrato, o trabalho que produz valor. Assim, embora “Office Space” trate do mundo do trabalho em escritório, a falta de sentido do trabalho é a mesma do trabalho do operário da linha de montagem da fábrica. É por isso que Peter Gibbons, como Carlitos de “Tempos Modernos” (1936), está imerso no trabalho abstrato. “Office Space” é o Modern Times da New Economy, embora, é claro, Peter Gibbons não esteja à altura do Carlitos de Chaplin Chaplin...

Um dos grandes méritos do filme de Mike Judge é expor com humor ácido, um traço ontológico da sociabilidade moderna: a falta de sentido do trabalho (e da vida) na sociedade burguesa. Aos poucos verificamos que não apenas Peter, mas Joanna e muitos outros demonstram insatisfação com o emprego que consume suas vidas pessoais. A caricaturização dos tipos humanos (Peter, Joann, Alexander, Bill, Milton, Tom, etc) não impede que possamos nos identificar (ou identificar alguém) com eles. No meu caso, me identifico com Peter.
 
É numa segunda-feira, primeiro dia útil da semana, que a crise pessoal de Peter Gibbons se manifesta com vigor. Segunda-feira é um “dia de cão”. Como Carlitos, de “Tempos Modernos”, ele “surta”. Por que Peter Gibbons surta? Talvez porque sempre foi o empregado que disse “sim” para o chefe, submetendo-se calado às horas-extras nos finais de semana. O tempo de vida de Peter era tempo de trabalho. Por isso, num certo dia, ele tenha “surtado” - é a subjetividade (mente e corpo) insubordinado-se contra as disposições estranhadas do capital.

Ao redor de Peter, uma série de personagens curiosos compõem o espaço do escritório, cada um deles traduzindo em si, um complexo de afetos contraditórios que permeiam a alma proletária. Por um lado, insatisfação e medo; e por outro lado, comodismo e perspectiva de carreira. É o caso do exótico Milton, do temeroso Tom e dos jovens programadores Michael Bolton, de estilo nerd, e do jovem indiano Samir Nagheenanajar. Ao lado da Initech, os fast-foods com lanches e refeições rápidas para vidas velozes.

O diretor Mike Judge expõe a fauna humana dos ambientes de trabalho. A ridicularização do trabalhador no filme é um recurso heurístico capaz de expor, com humor caustico a completa banalidade da vida burguesa. Se olharmos bem de perto, cada detalhe de “Office Space” é uma critica mordaz não apenas da vida corporativa americana, mas do sonho americano de capitalismo, e é claro, estende-se e serve para as demais sociedades capitalistas do mundo.

É claro que, de imediato, a critica do trabalho capitalista sugerida no filme é tão elementar quanto a filosofia zen de David Carradine na velha série dos anos 1970, “Kung Fu” (a série de TV preferida por Peter e Joanna). Na verdade, o jovem Peter reage ao trabalho, rebelando-se por meio do ócio militante. Ele quase declama o “direito à preguiça” de Paul Lafargue... Em seu surto pessoal, Peter Gibbons se recusa a seguir horários e critica as atribuições de tarefas. Mas, de modo paradoxal, Peter Gibbons torna-se "modelo" das novas práticas empresariais de flexibilização do trabalho. Por isso, de modo inusitado, é admirado pelos consultores contratados para fazerem um downsizing na empresa. Quanto mais Peter se rebela, mais é elogiado pelos especialistas em produtividade. Ora, num primeiro momento, poderíamos dizer que o sistema sócio-metabólico do capital é capaz de absorver tudo...Entretanto, o que o diretor Mike Judge talvez esteja sugerindo é que empresas da New Economy não podem ser gerenciadas como empresas da Old Economy. Entretanto, por outro lado, como veremos no final, Judge sugere, na perspectiva da consciência de classe contingente, uma aguda critica à suposta "ética do trabalho" que sustenta o sistema corporativo do capital.


É claro que Peter, com sua revolta individual, não conseguiu romper com o sistema do capital. Pelo contrário, ao se contrapor aparentemente a ele, Peter incorporou de modo cinicamente paradoxal, a nova lógica de produtividade. Ele aparece como o empregado "flexível" adequado às novas empresas da New Economy. Ao ser promovido, Peter ocupa o lugar de dois amigos programadores, demitidos pela reengenharia empresarial. Entretanto, ele não se rebela contra a atitude da empresa, mas cinicamente, sente-se indignado com o Sistema. Decide juntar-se amigos indignados, ex-empregados da Initech, e planejar um "golpe de mestre" contra a empresa em que trabalha.


Ora, não há saídas coletivas em “Office Space”. Ao estilo de Holywood, o filme sugere “saídas” meramente individuais na forma da gang criminosa. Ao invés do self-made Man, o filme sugere que somos todos “gangsteres”. A "saída" que apresenta aos jovens proletários indignados da New Economy não é o individualismo empreendedor do “American dream”, que constrói o negócio por conta própria, mas sim, a ação individual cínica ou coletiva da gang criminosa. Talvez, o que o diretor Mike Judge tente compor seja mais um elemento de ridicularizar o “American Dream”. Na época da "acumulação por espoliação" (David Harvey), a fraude e trapaça tornam-se recursos de ascensão social. Portanto, o revide de Peter, Michael e Samir não poderia deixar de representar o maldito “espírito de época”.

Em última instância, Peter, Michael e Samir sugerem que é apenas transgredindo a lei que se pode enriquecer. É a antiética do trabalho (seria interessante assistir, logo a seguir, o documentário “Enron – Os Mais Espertos da Sala”, de Alex Gibney). Nesse sentido, é genial a sacada de Mike Judge, incorporando no imaginário do filme, a lenda do Superman, símbolo maior da América capitalista. O plano de Peter para conseguir dinheiro é exatamente igual ao de Gus Gorman no filme “Superman III” (de 1983). Neste filme, Superman (Christopher Reeve) enfrenta um computador diabólico, programado por um gênio da informática chamado Gus Gorman, que pretende dominar o mundo.
 Nesta pequena sinopse crítica, buscamos indicar alguns elementos temáticos e algumas pistas de analise que podem ser utilizadas para discutir a sociedade capitalista a partir do filme de Mike Judge. É claro que as consideração acima não esgotam, nem têm a pretensão de esgotar, os detalhes, que com certeza sugerem muitos outros elementos categoriais para elaborarmos uma critica da sociedade burguesa e do sócio-metabolismo do capital com seu trabalho estranhado na época do capitalismo global.